As obras de Fernando Pessoa e José Saramago são as mais preparadas para resistir à passagem do tempo, defende o ensaísta e ficcionista Miguel Real no seu novo livro, dedicado aos dois vultos da literatura.

A guerra sempre despertou fascínio e terror entre as populações consoante a sua proximidade. Disputada entre exércitos profissionais e cidades fortificadas, os civis sempre foram danos colaterais inevitáveis, muitas das vezes forçados, pelos seus próprios exércitos em retirada, a deixar atrás de si uma política de terra queimada, dificultando a progressão do exército invasor. Achados arqueológicos provam que a guerra existiu entre a humanidade desde o seu primórdio e que não foi preciso sistemas evoluídos de organização ou conceito de Estado para lhe dar suporte.
As duas grandes guerras, ao arrastar milhões de pessoas, criaram nelas a legítima expectativa de participar, com voz ativa, nas decisões que afetavam a suas sociedades. A guerra, ao deixar de ser um exclusivo dos nobres, recrutando milhões de cidadãos de todas as condições e classes, germinou neles o conceito de igualdade, a que as classes dominantes não podiam mais ignorar ou deixar de satisfazer.
As nações dominantes não precisavam apenas de ter umas forças armadas bem equipadas e treinadas, aptas a responder a qualquer ameaça ou conflito, tinham de ter também um sistema de financiamento, tributação e boa gestão de dívida. O ensino da população revelou-se igualmente importante, os soldados deviam saber contar e registar esses números e as chefias de ser capazes de escrever e ler relatórios. Assim a disseminação do ensino básico tornou-se fundamental para o sucesso de uma nação na guerra. A par disso, a capacidade de recrutar, entre a população, mancebos fisicamente aptos para a guerra, obrigou a olhar para a saúde pública com alguma atenção, promovendo a melhoria dos cuidados de saúde prestados. Algumas inovações sugiram como resultado direto da guerra, como a triagem nos hospitais, o alargamento do direito de voto às mais diversas classes sociais, incluindo as mulheres, respondendo a um sentido de justiça: quem era considerado apto a participar no esforço de guerra, também estava apto a participar nas decisões que afetavam o seu futuro coletivo.
Sendo a guerra indesejável, aparentemente, não faltam motivos razoáveis para a deflagrar; desde questões religiosas a sociais, a defesa do território ou a necessidade preventiva de colocar fim de um conflito em curso.
Inexplicável neste livro, a pouca importância dada pela autora à guerra civil espanhola, que visou de forma particularmente bárbara as populações civis, atingidas com a mesma fúria com que se dizimava o exército inimigo. Guernica, foi a primeira cidade não fortificada a ser bombardeada, e iniciou uma nova forma de se fazer a guerra. Quando os bombardeiros da legião Condor de Hitler bombardearam Guernica, escolheram o dia de mercado para que estivesse reunido o maior número de civis possível. A cidade não era um ponto militar estratégico nem participava de forma decisiva no esforço de guerra. A ideia foi a de esmagar a identidade basca, através de um massacre civil brutal e sem defesa possível. Na segunda guerra mundial, os bombardeiros de longo alcance, colocaram as populações civis na frente da batalha. Nos julgamentos de Nuremberga, o bombardeamento indiscriminado de populações civis, não entrou na categoria de crime de guerra, tendo sido ignorado.
O massacre de Guernica gerou, pelo génio de Picasso, o primeiro quadro de guerra retratando-a partir do ponto de vista do sofrimento das vítimas e onde o agressor não figura. A cada guerra, não só a tecnologia e as armas evoluem, mas também a consciência humana e a capacidade de a influenciar, como aconteceu com o fim da guerra do Vietname, da guerra colonial portuguesa ou, mais recentemente, com a retirada americana do Afeganistão. Falar sobre a guerra não a torna mais apelativa ou provável, mas desperta uma consciência coletiva que a pode travar.
Com novas armas aterradoras, a importância crescente da inteligência artificial, máquinas assassinas automatizadas e a guerra cibernética, enfrentamos a possibilidade do fim da própria humanidade. Não é o momento de desviarmos os olhos de algo que poderemos achar abominável. Temos, mais do que nunca, de refletir sobre a guerra.

António Ganhão
Acrítico - Leituras Dispersas

Anaximandro, nascido há vinte e seis séculos na cidade grega de Mileto, na Anatólia, foi discípulo de Tales. Embora menos conhecido do que o seu ilustre antecessor, esteve na origem da imensa convulsão conceptual que marcou o nascimento da ciência. A partir da observação do movimento das estrelas, chegou à conclusão de que, ao contrário do que todas as civilizações tinham acreditado até então, a Terra não assentava em nenhum suporte sólido. Para Anaximandro, e para a humanidade vindoura, a Terra «flutua» no céu. A sua resolução de procurar as causas dos fenómenos naturais na própria natureza, em vez de atribuí-los aos caprichos dos deuses, não tem precedentes na História. Mais importante ainda, iniciou o processo de rebelião erudita que constitui a abordagem da ciência: construir sobre o conhecimento adquirido, mas questionar toda a verdade.
Carlo Rovelli, um dos físicos mais importantes do nosso tempo, propõe neste livro uma reflexão sobre o pensamento científico e uma leitura original da natureza desse pensamento, ao mesmo tempo que, com a mestria e erudição que todos lhe reconhecem, revela sob um novo prisma a história de uma das personagens mais fascinantes da civilização grega.

«[...] Carlo Rovelli faz o elogio da incerteza construtiva: "A ciência é a aventura humana que consiste em explorar os modos de pensamento do mundo dispostos a subverter algumas das certezas que tínhamos até aqui."»

  • Libération

CARLO ROVELLI
Carlo Rovelli é um físico teórico italiano radicado em França. Professor na Universidade de Aix-Marselha, especializou-se em gravidade quântica. Os seus livros de divulgação científica estão traduzidos em mais de 40 países e a sua paixão pela história e pela filosofia da ciência fazem dele um dos vulgarizadores mais competentes e mais lidos em todo o mundo. Em 2019 foi eleito um dos 100 pensadores mais influentes do mundo pela revista Foreign Policy.

«Todo o futuro é fabuloso», escreve Alejo Carpentier. Será? E será uma fábula feliz ou uma efabulação quimérica? A resposta está no presente, aquele que hoje vivemos, que é o de uma sociedade de medo.
Foi isto que desaprendemos com a pandemia: o medo dos outros ou de nós próprios fechou-nos numa vida em zapping, mergulhou-nos em identidades ilusórias no Facebook, avassalou-nos com imagens dominadas pelo tribalismo, seja de religiões fanatizadoras, seja de supremacismo agressivo.
O nosso mundo está a mudar e ressurgem fantasmas do passado, a necropolítica, que usa a destruição como normalização, e a bufonaria, que eleva títeres ao poder fazendo com que, como adivinhava Foucault, «o grotesco seja um dos procedimentos essenciais da soberania arbitrária».
O Futuro Já Não É o Que Nunca Foi discute esta modernidade destroçada. Mostra como o predomínio da intoxicação nas redes sociais constitui uma tecnologia da razão sonâmbula, com um regime de avalancha que esgota a informação e que se constitui como arma do capitalismo tardio, com a plataformização do trabalho e a vigilância dos dados da nossa vida.
Tornámo-nos cobaias do maior espaço social que existe, sem regras que não sejam as da privatização por um mercado totalitário, e é nele que nasce a agressividade da extrema-direita trumpista, ou da multidão dos seus seguidores.
A resposta, urgente, é a luta pela democracia como força emancipatória e como responsabilidade social. Este livro propõe-lhe que nem espere nem desespere: é no presente que definimos a nossa vida.

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